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Troco amigos por likes – Uma análise sobre a industrialização da amizade nas redes sociais

troco amigos por likes

Em um visão do capitalismo contemporâneo, as “redes sociais”, tornam-se menos um ambiente entre amigos e mais uma espécie de mercado de negócios digitais. Empresas como o Facebook, fazem vultosos investimentos para oferecer recursos e mais recursos, para que seus usuários promovam interações incessantes dentro de suas plataformas. Esse esforço demonstra o significativo valor dessas interações aparentemente triviais, no mercado digital.

Apesar de obrigatório aceite de termos e condições de privacidade, para acesso aos sistemas, é muito provável que a maioria dos usuários do Facebook não tenha plena consciência de como são comercializados seus dados, seu comportamento, suas publicações, seus encontros virtuais com amigos dentro da plataforma. (PRIMO, A. 2014).

Crise do Catraca Livre nas redes sociais

O Facebook, assim como outras plataformas de mídia digital, transformam a produção espontânea de seus clientes em dados e padrões de consumo, que são oferecidos como moeda de troca para marcas e empresas que pretendem oferecer produtos e serviços para essas pessoas.

E, muito embora o modelo de “conteúdo gerado pelo consumidor” fosse apresentado com uma roupagem de resistência à grande mídia, ele logo atraiu a atenção de desenvolvedores e empresários como um negócio promissor. Dada à estrutura necessária, os clientes passam a gerar o produto que eles próprios consumirão. Apesar de todas as aplicações cidadãs viabilizadas pelas tecnologias moldadas sobre uma arquitetura de participação, não se pode perder de vista que o imperativo do lucro foi a força motriz para os avanços da Web 2.0. (PRIMO, A. 2014).

Mas agora parece que a fumaça está se dissipando, revelando um bastidor industrial e capitalista por trás da rede. O excesso de notícias falsas que permeiam o Facebook com objetivo de capturar cliques e mais cliques dos desavisados, fazendo com que as pessoas permaneçam cada vez mais tempo dentro da plataforma, espantadas ou emocionadas com histórias bizarras ou absurdas, levou a uma discussão pública recente, sobre as políticas da plataforma em relação aos seus conteúdos em diversos grupos.

A falta de preocupação do Facebook com a veracidade das informações sugere uma preocupação exclusiva com o lucro. Quanto mais tempo as pessoas ficam dentro da plataforma, mais a empresa lucra. No outro lado da mesa, os veículos de comunicação, produtores de conteúdo, preocupados com a captação de cliques para alavancar suas audiências, entram na dança da espetacularização do bizarro, promovendo o absurdo, criando títulos convidativos, no limite entre a verdade e a charlatanice, por vezes ignorando a ética e a moral em nome dos cliques. Essa estratégia acontece diariamente, na maioria das vezes, despercebida pela população, até que um acontecimento traga isso à tona, como aconteceu no dia 29 de novembro de 2016 com a queda do avião da Chapecoense. Poucas horas depois, uma enxurrada de notícias relacionadas à queda de avião, aos jogadores envolvidos, a especulações sobre a causa do acidente, já circulavam pela rede como caçadores de cliques. Algumas empresas passaram do ponto e viram sua audiência somar, porém, a rejeição em relação a elas multiplicar.

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Publicações do Catraca Livre no dia da queda do avião da Chapecoense.

 

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Queda de curtidas Catraca Livre por conta das publicações sobre a queda do avião da Chapecoense.

 

É verdade que o viés revolucionário permeou a criação e disseminação das plataformas de “redes sociais”. A busca por um mundo mais libertador, idealista e democrático norteou os discursos no início da web 2.0. Mas no meio do percurso a coisa desandou e vimos uma industrialização da amizade, dos cliques e das curtidas tomar o cenário. Como disse Alex Primo (2012), “o capital é autônomo. Ele quer se multiplicar. Não tem bandeira, ideologia ou nacionalidade. Não importa se para crescer precise adotar um pretenso discurso revolucionário.”.

Os caminhos da web estão nas mãos da sociedade, da mesma forma em que ela consome, ela regula. Ainda podemos ter esperança de uma retomada aos ideais libertadores de seu nascimento, uma vez que plataformas e veículos terão de se adaptar a receptividade do público para alcançar o sucesso e capital. Cabe então ao público preferir seguir, curtir, compartilhar e consumir dos honestos ao invés de alavancar os caçadores de cliques sem ética.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

PRIMO, A. (2014). Industrialização da amizade e a economia do curtir: estratégias de monetização em sites de redes sociais. In: Lídia Oliveira; Vania Baldi. (Orgs.). A insustentável leveza da web: retóricas, dissonâncias e práticas na sociedade em rede. Salvador: EDUFBA, p. 109-130. Texto disponível em http://bit.ly/2fTi2oh


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