(Foto destaque do https://www.flickr.com/photos/33284937@N04/)
Uma câmera pessoal na mão e uma foto privada capturada. Na imagem paira uma aura de diversão entre amigos em uma temporada de férias. A imagem descrita não teria problema nenhum, caso não fosse capturada por um soldado americano dentro de um presídio em Abu Ghraib onde são torturados prisioneiros de guerra. As fotos expostas abriram as portas para diversas acusações de tortura e para um escândalo público grave enfrentado pelo governo Bush em 2004 após sua precipitada decisão de invadir o Iraque desatando em uma sequencia de revelações difíceis de serem explicadas.
Imagens, acontecimentos e discussões jogadas na mídia como nunca antes, de acordo com o John. B. Thompson (sociólogo e professor da Universidade de Cambridge) criam um cenário de “visibilidade mediada” onde tornar visível fatos na rede não é apenas uma questão de falha nos sistemas de comunicação e sim, uma estratégia utilizada por aqueles que sabem utilizar a mídia como uma “arma” no enfrentamento das questões diárias, políticas, econômicas e sociais.
Se pensarmos nas horríveis decaptações televisivas, produzidas pelos grupos terroristas em suas guerras, as fotos vazadas pelo exército americano retratam “[…] simplesmente a ilustração mais dramática de um novo cenário político visível no mundo mediático, no qual a distância é irrelevante e no qual estão sempre presentes a comunicação instantânea (ou algo próximo disso) e – especialmente com o crescimento da internet e de outras mídias em rede – a possibilidade de superar oponentes.” (THOMPSON, John B. 2008).
Essas interações proporcionadas pelas novas mídias revelam características fundamentais que se diferenciam das interações face a face. Na comunicação presencial entre pessoas, existe muita proximidade entre os envolvidos, além da fala, da entonação de voz, dos gestuais que são aspectos facilitadores na compreensão da comunicação, as pessoas envolvidas compartilham o mesmo espaço e tempo. Nas mediações digitais além dos meios de comunicação, texto, vídeo, áudio serem mecânicos, portanto mais “frios”, existe a questão em que “nossa interação será moldada pela diversidade das características espaciais e temporais, e pela diversidade das características do meio empregado”. Ou seja, torna-se uma comunicação muito mais complexa.
Na visão de Thompson existem, portanto, as interações “quase” mediadas, que são os livros, filmes, jornais, rádio, televisão. Estes são canais de comunicação não direta, onde o que é produzido depende da qualidade do receptor para interpretá-las. É diferente de uma conversa por telefone ou por carta, por exemplo, em que as mensagem são diretamente elaboradas para a pessoa que vai receber com sua linguagem própria e particular.
Mas a “quase interação mediada” também é da mesma forma uma interação. Ela possui uma característica em que os indivíduos se conectam em um processo de comunicação e troca simbólica, criando assim, seus meios de relações características do formato utilizado. É o que Thompson chama de “intimidade não-recíproca à distância”. Um exemplo disso são os relatos constantes que escutamos dos ouvintes de rádio “O rádio é meu companheiro de todas as manhãs”.
Com o desenvolvimento da comunicação mediática e seus dispositivos tecnológicos, a visibilidade está livre de propriedades espaciais e temporais do aqui e agora. A visibilidade de um fato ou evento deixa de estar vinculada ao solo comum, ao tempo comum. É possível acompanharmos um evento em tempo real, mesmo que ele aconteça do outro lado do mundo, através de aparatos técnicos de transmissão ao vivo. Essa tecnologia impacta também a noção de passado e presente, porque em uma gravação podemos ter acesso a uma palestra que aconteceu à muito tempo atrás por exemplo. A reciprocidade do campo de visão também é alterada.
“Além do mais, essa nova forma de visibilidade mediada não é mais tipicamente recíproca. O campo de visão é unidirecional: aquele que vê pode enxergar pessoas que estejam distantes e que são filmadas ou fotografadas, mas estas últimas não podem vê-lo, na maioria dos casos. Pessoas podem ser vistas por muitos observadores sem que elas próprias sejam capazes de vê-los, enquanto os observadores são capazes de ver à distância sem serem visto por elas.” (THOMPSON, John B. 2008).
O desenvolvimento das mídias comunicacionais, das redes de internet, trouxe dessa forma, uma “nova visibilidade”. Dentro dessa nova visibilidade as características específicas variam de um meio para outro e se diferenciam de acordo com aspectos essenciais da visibilidade (humana-natural) situada na co-presença. Sendo assim:
“Ver nunca é «pura visão», não é uma questão de simplesmente abrir os olhos e captar um objeto ou acontecimento. Ao contrário, o ato de ver é sempre moldado por um espectro mais amplo de pressupostos e quadros culturais e pelas referências faladas ou escritas que geralmente acompanham a imagem visual e moldam a maneira como as imagens são vistas e compreendidas.” (THOMPSON, John B. 2008).
Essa capacidade de “aproximar” pessoas no espaço e tempo, mesmo sendo através de aparatos tecnológicos, criou uma nova forma de comunicação entre políticos e pessoas constituintes de poder público. Ao contrário da antiguidade, onde era muito difícil um fazendeiro comum ter acesso ao seu imperador, hoje um presidente pode aparecer na televisão e falar diretamente ao seu público, ou até responder perguntas de cidadão através da internet ou de um programa de rádio ao vivo. Nesse sentido, líderes políticos ganharam a capacidade de se apresentarem como “um de nós”.
Por outro lado, esse tipo de exposição gera novos riscos. As novas formas mediadas de comunicação são utilizadas não apenas para promover políticos e instituições, mas também para atacá-los e denunciá-los.
O Domínio público por si só, se transformou em uma conjuntura da capacidade de circulação entre esses diversos fatores da mídia em rede. Ter essa competência e ainda controlar (da melhor forma possível) a opinião pública regional ou global sobre o assunto é uma poderosa arma para manutenção e aplicação de poder. A luta para fazer com que outros vejam e ouçam aquilo que se pretende, tornou-se parte inseparável dos conflitos políticos e sociais de nosso tempo.