Jornalismo

O grande caminho do jornalismo: o que descartar, manter e adquirir na passagem do impresso para web.

Martin Baron, editor chefe do The Whashington Post, em uma palestra na Universidade de Califórnia, em Riverside foi simples, direto e inspirador aos falar sobre seus conceitos em relação à transição do jornalismo impresso para o digital.

No discurso, Martin dá a letra logo no início, quando fala sobre o momento de excitação vivido por esse mercado: “Excitação, porque o jornalismo está sendo completamente reinventado. Ansiedade, porque o nosso modelo econômico tradicional está se desintegrando”.

Começa falando sobre o grande ponto de mudança, quando uma matéria investigativa sobre abuso sexual de crianças nas igrejas católicas, causou extrema repercursão e ganhou o mundo através da internet. Enumera 3 pontos que causaram reflexão para ele e sua equipe:

No. 1: “Essa investigação da igreja teve o maior alcance, maior impacto global, do que qualquer coisa que já tinha saído do The Boston Globe. O número de pessoas que leram, foi muitas vezes maior do que a circulação do jornal. Até então, a audiência do Globe tinha sido local porque era principalmente uma publicação impressa. Mas em 2002, quando as primeiras histórias de investigação foram publicadas, o público passou a ser mundial.”

No. 2: “Junte-se a nós”. “Pequenos grupos de protesto foram capazes de distribuir essas histórias rapidamente com a mensagem. Um grupo chamado, Voice of the Faithful, tinha inicialmente em torno de 30 membros mas, ao compartilhar a história do Globe na Internet, permitiu a inclusão de milhares de novos membros.”

No. 3: “Os católicos podiam se organizar além das fronteiras geográficas e linguísticas, para participar da vida da Igreja e contornar a hierarquia da Igreja.”

No. 4: “A Igreja sempre foi capaz de responder a incidentes de abuso fingindo choque, sugerindo esses incidentes, como isolados. Mas, na Internet, os indivíduos ganharam a chance de fazer a sua própria investigação  chegando ao outro lado da história. O poder mudou para a mão do consumidor”.

Martin, afirma que, existe uma ironia nessa situação. O momento em que o jornal ganha maior força de propagação, coincide com um momento econômico global que, cada vez mais, destrói a capacidade econômica do jornal de produzir esse tipo de jornalismo investigativo.

“Nós estamos lidando aqui com nada menos do que as forças da natureza em uma economia moderna. Ondas de tecnologia estão a minar a nossa fundação. Eles ameaçam a nossa casa jornalística tradicional. A sobrevivência dita nos movermos e agirmos rápido.”

Explica que, a grande transição, do jornalismo impresso para o digital, acontecerá de forma inevitável:

“Esta transformação vai acontecer e só há uma escolha realista disponível: Nós podemos fazer o que deve ser feito: de preferência adaptarmo-nos e prosperarmos ou, escolhermos o caminho do fracasso”.

Alguns acontecimentos relevantes, nos últimos anos, ilustram o movimento dessa transição:

  • A banda larga, de alta velocidade, tornou-se generalizada em 2004 e 2005, possibilitando a comunicação que nós temos hoje, com o carregamento de fotos e vídeos,  quase instantâneo e conexão móvel à web.
  • Google não tinha se tornado público até 2004. Hoje, existem mais de 3 milhões de buscas por dia na ferramenta.
  • Facebook  fundado em 2004,  atualmente tem mais de 1,3 bilhão de usuários ativos mensais.
  • YouTube  fundado em 2005,  hoje em dia, tem mais de 1 bilhão de visitas/mes.
  • Twitter fundado em 2006,  já conta com  meio bilhão de tweets enviados a cada dia.
  • Kindle introduzido em 2007,  mostra que três em cada 10 americanos  lêem um e-book.
  • Apple apresentou o iPhone em junho de 2007, hoje, 2 bilhões de pessoas no mundo inteiro utilizam smartphones.
  • Instagram foi fundado em 2009.
  • Whatsapp  fundado em 2009 , no ano passado, foi vendido por US $ 19 bilhões para o Facebook.

Martin fala que esse ritmo de mudança, acelerado, deixa os jornalistas nervosos e, para aqueles que resistem à mudança, não haverá tolerância ou perdão. A tendência é ficar mais rápida. Essa é a verdade brutal.

“ A grande mudança do jornalismo impresso, para o digital, vem com desconforto, para aqueles que, como eu,  cresceu, nesse campo, bem antes do século 21. Nós apenas temos que superar isso”

“A migração dos profissionais de jornalismo que estão acontumados com o impresso é tão drástica que se assemelha à mudança de um habitat para outro. Os profissionais precisam deixar um ambiente em que conhecem bem para outro completamente desconhecido, onde os habitantes desse novo mundo são mais jovens e ágeis. Os jovens jornalistas, não sofrem nenhuma das ansiedades e dificuldades dos mais velhos. Possuem pouca ou nenhuma influência do que foi feito antes, no jornalismo tradicional. Nesse novo mundo eles são os nativos”.

O palestrante aponta algumas ideias que, na opinião dele, devem ser descartadas ao encarar essa mudança:

“Podemos começar por descartar a noção persistente de que o papel permanecerá por uma grande parte longa do que fazemos. Não vai. Por um tempo, sim. Mas isso não vai durar.”

“O jornal continua a ser, a partir de hoje, uma fonte predominante de receitas, para organizações como a nossa. Mas, a receita que produz está diminuindo drasticamente. Os anunciantes estão saindo. A maioria dos leitores preferem obter as informações através  de fontes digitais.”

“Essas tendências estão se acelerando.”

Foto Panadero Canonistas.  (https://www.flickr.com/photos/panaderocanonistas/)
Foto Panadero Canonistas. (https://www.flickr.com/photos/panaderocanonistas/)

“É errado dizer que estamos nos tornando uma sociedade digital. Nós já somos uma sociedade digital. Na verdade, somos uma sociedade móvel. Oitenta por cento, dos adultos, na terra, deverão ter um smartphone em 2020.”

“Vamos também abandonar a ideia, ainda comum nas redações, que o que está na primeira página é o mais importante, de maior valor ou prestígio do que o que divulgar na web. Não é.”

“Uma única história, on-line, pode atrair mais leitores do que todo o jornal impresso.”

Para exemplificar Martin, passa alguns números do The Whashington Post: Quase 50 milhões de visitantes por mês no site,  quase metade vem através de um dispositivo móvel. O crescimento da audiência por ano gira em torno de 50% ou 100%.

Martin, questiona também, a forma de atuação isolada da redação e do departamento comercial do jornal. Há um isolamento entre esses dois setores, com o intuito de preservar a liberdade de expressão e credibilidade do jornal. Porém esse modelo é questionado.

“A distância entre a redação e o lado empresarial promovia ignorância. Eu, fazendo parte da equipe de redação, nunca compreendi como fazíamos dinheiro e, com toda a honestidade, não me importava, isso é porque fazíamos muito. O lado do negócio, devo acrescentar, realmente não era entendido pela redação. A posição entre os leitores e anunciantes, não parecia importar.”

“Hoje, isso é importante. Precisamos saber como as contas são pagas, mais incisivamente, como a cobertura é financiada. Os anunciantes estão à procura de formas inovadoras, mensuráveis e bem sucedidas de se conectar com os clientes em potencial.”

Agora, Martin fala que, a inovação é o principal carro chefe do jornal. A mescla, da experimentação e tecnologia de interação, entre os leitores e jornalistas, é fundamental. Entre as mudanças na estrutura da organização está o fato dos engenheiros trabalharem no mesmo ambiente dos jornalistas, lado a lado. Tudo isso, é claro, sem perder o principal foco de buscar a verdade, ou a notícia que chegue mais perto da verdade.  Como a placa que foi colocada na porta do The Whashington Post em 1933, quando comprado pelo Eugene Meyer que dizia: A primeira missão de um jornal é dizer a verdade tanto quanto a verdade possa ser apurada.

E termina dizendo que o desafio de se adaptar a era digital é grande porém, não tão grande quanto o inabalável dever de publicar a verdade.

“Esse é o espírito da Primeira Emenda e o espírito que animou Tim Hays. As lições para nós do desafio digital de hoje parecem pequenas em comparação com as lições de 1791, quando a Bill of Rights foi ratificada. A liberdade concedida à imprensa e a todo cidadão. Cabe a nós assegurar que a promessa seja cumprida. Isso não muda.”



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